segunda-feira, 26 de outubro de 2009

O Jardim Japonês de Rochas



Há uma certa calma que nos invade quando contemplamos um Jardim Japonês bem montado. Embora seja difícil a definição de um elemento específico como fonte de origem dessa sensação de paz, acredito que a aparência sólida e equilibrada das rochas ali existentes seja o principal fator que nos proporciona essa sensação de paz e equilíbrio. Isso não deve ser surpreendente, pois o jardineiro japonês utiliza as rochas como verdadeiros pilares em seu jardim, sendo as plantas apenas decorações.
Curiosamente, o Jardim mais visitado no Japão, é inteiramente composto por rochas. Trata-se do Ryoan-ji. A única coisa viva ali existente é o musgo que nasceu entre as rochas. Este jardim é um “clássico” que demonstra a importância das rochas no contexto de jardim japonês.
O Ryoan-ji Jardim Zen, em Quioto, Japão foto por Katsuhiko Mizuno

No entanto, sempre que tentamos recriar aquela atmosfera oriental em nossos jardins, ficamos desapontados com os resultados, pois percebemos que somos incapazes de produzir essa sensação de calma e serenidade e que nossas disposições de pedras parecem um tanto desconexas e confusas entre si. A aura existente em um jardim japonês parece inatingível nesses momentos.

As regras básicas
As regras para se colocar pedras no jardim são velhas e não são poucas. Não é de se surpreender que nós, ocidentais modernos, não nos sintamos em contato com as sutilezas existentes em uma forma de arte com 2 dois mil anos de idade. Mas isso não significa que não possamos aprender essas técnicas. O verdadeiro espírito do Jardim Japonês, com tantas facetas da Arte Zen, encontra-se totalmente baseado nas regras e ritos do modo de vida japonês. Basta aprender algumas das regras que se aplicam à colocação de pedras e algumas das formas mais comuns de se fazer isso que conseguiremos finalmente, obter um jardim que nos transmita a verdadeira sensação de serenidade e paz absoluta.

Vejamos alguns conceitos básicos....

A Era Nara
O primeiro agrupamento de pedras que surgiu no Jardim Japonês foi o shumisen. Este estilo foi (a exemplo de diversas outras coisas, quando o assunto é Jardim Japonês) uma representação simbólica, neste caso, da lendária montanha situada no centro do universo, onde Buda habita à pedra principal e seus discípulos às pedras ao redor. Este é um estilo de pedragismo muito antigo, que foi utilizado no período Nara (645-781 DC), sendo que depois desse período deixou de ser utilizado.

A Era Heian
Durante o período Heian (781-1185 DC), uma antiga lenda chinesa contava sobre a Ilha da Eterna Juventude e essa lenda começou a encontrar reflexo nos lagos ornamentais das classes mais abastadas existentes na época. Este estilo de pedragismo compreende uma ilha principal (Horai) e três ilhas menores (Hojo, Eishu e Koryo). As rochas utilizadas nessas montagens eram altas e em sentido vertical, pois tinham a função de representar a Morada dos Imortais que é Inatingível.
Este estilo de pedragismo denota ampla influência do estilo chinês e demonstra a forte influência exercida por esse país na cultura japonesa da época.
No entanto, paralelo a esse estilo, o estilo shumisen ainda continuava evidente, trazendo uma representação do Buda nas pedras de três Deuses (e não quatro conforme citado acima).Esse estilo, onde adotamos o uso de três pedras, denota uma divindade muito mais ligada à cultura do Japão, utilizando-se de diversos nomes diferentes para descreve-la, conforme o uso específico.

Agrupamentos de rochas no Estilo Clássico Japonês
Para os nossos propósitos, podemos dividir o estilo clássico do uso de rochas no jardim japonês da seguinte forma:
Buda de Pedra (buhtsu Mida), a pedra do sexo masculino
Deusa de Pedra (Kwannon), a pedra do sexo feminino
Criança de Pedra (Seishi).
Este é o estilo clássico de disposição de rochas no jardim japonês em que se deve confiar e é sobre esse grupo de rochas que as demais pedras existentes no jardim, posicionam-se como Guardians

Os jardins da rocha de templos
À medida que caminhamos para a Eras Kamakura e Muromachi (1186-1573 DC), chegamos ao que foi realmente o ponto alto da utilização de rochas naturais no contexto de jardim japonês. Os três deuses tornaram-se muito mais importantes, assim como os jardins em volta de templos tornaram-se o tipo mais predominante de jardim.
Houve um movimento para imitar o estilo Sung – (popular na época) - de pinturas monocromáticas, fazendo uso de montanhas combinadas aos lagos de jardim, formalizando-os para acomodar essa alteração. Outro desenvolvimento deste período foi o Estilo Cran (Garça Azul) e o estilo Ilha da Tartaruga. Estes animais ganharam uma abordagem mítica de símbolos da longevidade e os dois juntos simbolizam longa e feliz existência. Estes grupos devem ser colocadas em água (ou em suas proximidades).

Outra característica dos jardins de pedras que ornamentavam os templos foi o uso de santos budistas (butsubosatsu). Este é um estilo muito complexo de disposição, que achamos melhor deixar nos jardins dos templos (como é no Japão), no entanto, fazemos uma referência à sua existência para demonstrar o quão complexa pode ser a simples colocação de pedras. Para se ter uma idéia, com relação ao estilo butsubosatsu, apenas aos níveis mais altos do clero budista eram qualificados para construir e interpretar estes jardins.

Além dos jardins dos templos
Os períodos posteriores não acrescentaram muito aos estilos de pedragismo até então praticados. . O período Momoyama, na verdade, inaugurou o uso de cortes de pedras para a confecção de pontes e caminhos e trouxe também um razoável aumento da utilização de ornamentação, afastando-se do aspecto natural dos períodos anteriores. Embora a Era Edo, que veio a seguir, tenha trazido de volta alguns conceitos utilizados pelos estilos mais antigos, percebemos ainda uma tendência do avanço da Ornamentação como foco central do jardim japonês.
 
Estes são os grupos mais formalizados e não são necessariamente representativos para a maioria dos estilos de pedragismo aquí abordados, mas constituem geralmente os elementos centrais de um jardim japonês, interligando-o ao restante do conjunto. Vamos agora olhar para as formas mais básicas de pedragismo e suas aplicações no conceito de jardim japonês.


Existem cinco tipos básicos de pedras
Existem cinco tipos básicos de pedragismo utilizados em jardins japoneses. Podem ser utilizados em milhares de combinações diferentes, mas com a compreensão destes tipos básicos e alguns de uso comum, poderemos encontrar as disposições mais acertadas para os nossos jardins.

I - Pedra da Alma
O primeiro tipo é a pedra vertical, também conhecida como Pedra da Alma (Reishoseki). Esta é uma pedra com orientação vertical (aponta para cima), base larga e um topo cônico. Esta é uma pedra muito comum no estilo Jardim Japonês, sendo que sua pedra Guardiã (Shu ir Seki) é geralmente um vertical baixa.

II - Pedra do Corpo
A pedra que veremos a seguir é a Pedra Alta, ou Pedra Corpo (Taidoseki). Esta é outra pedra ereta que, muitas vezes simboliza uma pessoa ou um deus. A base é apenas ligeiramente maior do que o topo. Esta é uma pedra que deve ser cuidadosamente colocada, já que é a pedra mais alta no grupo principal e determinará o fluxo do jardim (ponto focal). Geralmente, esta pedra é colocada por trás de outras e nunca na frente.

III – Pedra do Coração
A pedra lisa, ou coração de pedra (Shintaiseki), é uma pedra de extrema utilidade. E como o nome indica, trata-se de uma pedra plana com forma de trampolim. Em um arranjo complexo, é geralmente utilizada como elemento central de harmonização e na simplificação da composição, auxiliando a fluidez das pedras verticais com as linhas horizontais da terra ou da água. Adota uma posição de reverência, adoração em relação a uma pedra principal e por isso é também chamada Adorando (Rei hai Seki) e é sempre uma pedra lisa.

IV- Pedra Braço
A pedra Arqueada é frequentemente chamado de Pedra de ramificação (Shigyoseki) e corresponde aos braços. Esta pedra é a exceção à regra, com um topo plano, mais amplo do que a base. Esta é uma pedra difícil de selecionar corretamente, pois se o topo é muito grande, a pedra parece instável e o arco transmite uma energia arrebatadora que deve ser cuidadosamente equilibrada, para trabalhar no jardim. No entanto é uma pedra extremamente útil, pois é usada para amarrar duas pedras horizontais com duas verticais, bem como reunir grupos de pedras com ramos das árvores.

V- Pedra Caranguejo:
Nosso pedra final é a pedra Reclinada (em decúbito) ou a Pedra Caranguejo(Kikyakuseki). Em altura, ela varia entre a pedra lisa e a pedra arqueada, mas nunca será tão baixa como a primeira ou tão alta quanto a segunda. Uma de suas extremidades também deve ser maior que a outra. Corresponde a um ajuste fino em termos de pedra, e deve ser colocada em primeiro plano para unificar outras pedras, com extremo cuidado.
Estas pedras base citadas acima, poderão ser utilizadas em um grande número de combinações e são muitas vezes combinados com a ajuda de outras pedras ou elementos descartáveis. Dois a três grupos de pedras são a norma básica e podem ser combinadas para criar pontos focais maiores.
Mantenha atenção nesses detalhes:

Vimos diversos tipos de pedras e as combinações que devemos usar para desenvolver o verdadeiro espírito de um jardim japonês. Agora veremos as coisas que deveremos sempre observar para obedecermos fielmente às normas e preceitos pregadas por esse estilo de jardinagem e paisagismo.

Devemos evitar as três pedras ruins, a saber :

I - A Pedra Doente (com a parte superior deteriorada ou deformada)
II - A Pedra Morta (uma pedra que é de uso óbvio na vertical e é utilizada na horizontal, ou vice-versa. No Japão, diz-se que seu uso é “tal como levantar um cadáver”.
III - A Pedra Indigente (uma pedra que não está relacionada com outras pedras existentes no jardim).

Alem disso:
• Nunca coloque uma pedra cuja linha axial seja perpendicular a qualquer edifício próximo. Isso é conhecido como "cortar a linha" e é um dos piores erros que se podem cometer segundo algumas linhas da escola feng shui.
• Nunca defina uma pedra maior que o beiral do telhado de uma casa pela mesma razão.
• Nunca utilize pedras que foram obviamente cortadas ou quebradas.
• Nunca use rochas com a parte superior maior do que a base, a pedra de arco, é a obviamente uma exceção à regra.
• Não coloque grandes rochas perto de uma varanda ou alpendre (a sabedoria oriental diz que isso atrai más vibrações).
• Em suma, procure ser tão refinado quanto possível, ao fixar às pedras.
• Use o mínimo de rochas para obter o efeito que você está procurando, tendo em mente o fluxo do jardim.
• Procure determinar à colocação das pedras antes de plantas, mas se estiver utilizando usando uma árvore ou jardim pré existente, leve isso em consideração para a fixação pedras.
• A regra mais importante de harmonização com pedras é a regra da separação. Pedras agudas devem ser definidas como penhascos e pedras suaves devem ser fixadas perto da água. Esta regra define o uso de uma rocha com o espírito adequado para a localidade pretendida. Siga isto e você irá se dar bem.

Uso de Escadas e Cascalhos em Jardim Japonês
• As combinações mais comuns são de dois ou três degraus em espaços menores e de três a quatro em espaços maiores.
• Os caminhos simbolizam a passagem através da vida e quaisquer pedras situadas no caminho devem traduzir um significado.
• Uma pedra ampla em relação ao conjunto de todo o caminho nos diz para colocarmos os dois pés juntos, parando para apreciar a vista.
• Duas pedras de pé são sempre encontradas nas entradas e conjunturas nas vias.
• Tapetes de Pedra são exceção à regra sobre pedras cortadas. Longas secções de estrada podem ser inteiramente construídas com pedras retangulares cortadas , compreendendo-se por si só, um sentido paralelo no caminho.
• Essas pedras são chamadas de Pedras de Poesia, porque lembram poemas dobrados e colocados ao pé de cerejeiras (velho costume japonês), razão pela qual, essas árvores são muito bem vindas ao longo do caminho.
• Basta captar o fluxo existente no jardim, que os posicionamentos entre as pedras estarão em seus devidos lugares.

Nós adquirimos uma grande quantidade de informação aqui. Achar que podemos reter todo esse ensinamento é surreal, e mesmo que pudéssemos, a paisagem resultante, provavelmente, ainda não seria natural.
Mas iniciei dizendo que, seguindo às regras aquí expostas, poderíamos obter algo muito próximo de um autêntico jardim japonês, e isso é verdade!
Mas o jardim verdadeiramente bem sucedido, será aquele onde exista fluidez de espaços e onde existam pedras que se encaixem realmente naquele jardim.

Por essa razão, nossa primeira Lei de Jardinagem é:

"O jardim é o seu guia!".

Traduzido e adaptado do artigo “Japanese garden design principles – The Helpfull Gardner” e “El Jardin Japones de Rocas de Raúl Faramiñan Gilbert”

Seu Editor Aquablog

2 comentários:

RoFCh disse...

Lescan
Oi, Estava (estou) pesquisando tudo sobre jardim japonês quando deparei com essa sua aula sobre o assunto.
Gostaria de saber como você aprendeu tanto, porque parece que sabe bem mais do que aquarismo. De qualquer forma, continue escrevendo sempre, não importa quantas pessoas ou quando as pessoas vão ler, porque eu adorei.

Rosana

Lescanjr disse...

Rosana,

É sempre bom saber que mais pessoas entendem o por que de escrevermos certas coisas ou buscarmos direções que nem sempre pareceriam óbvias, mas que nos proporcionam imenso prazer e paz de espírito!

Obrigado pelo singelo comentário!

Lescanjr